domingo, 27 de fevereiro de 2011

Mitos e Verdades sobre a Mentira


Mentir pode representar uma necessidade de esconder certos aspectos de nossa personalidade ou simplesmente uma maneira para preservar nossa intimidade

O telefone toca e você não está com a mínima vontade de atender. Do sofá da sala, então, grita pedindo para alguém dizer que você não está. Ou, sua amiga aparece com um novo corte de cabelo que não lhe cai bem, mas você prefere mentir dizendo que ela está linda, pois pensa que a verdade vai deixá-la arrasada. Ou então, seu cliente cobra uma resposta e você inventa que sim, respondeu, mas que o e-mail voltou. De falsos elogios a desculpas esfarrapadas, a mentira não tem idade, sexo ou idioma. Universal e democrática por excelência, ela é parte integrante de nossa existência.

Segundo a psicoterapeuta americana Irmtraud Tarr Kruger, autora do livro Da impossibilidade de viver sem mentir (Editora Pensamento-Cultrix), a mentira não é, como se supõe, um problema que diz respeito apenas a pessoas confusas, imorais ou narcisistas. Muito pelo contrário, ela diz respeito a todos nós. Mentimos (ou omitimos a verdade, o que dá na mesma) constantemente, quase sempre induzidos pela falta de coragem de assumirmos nossas verdadeiras motivações.

Na opinião da psicóloga paulista Patrícia Gebrim, melhor seria assumirmos nossos pontos de vista: "se uma amiga está vestindo uma roupa que você acha horrível, seria melhor não dizer nada a elogiar e mentir. Se ainda assim ela insistisse querendo saber sua opinião, você poderia dizer, de uma maneira delicada, que o vestido não lhe caiu bem". Fato é que, seja para nos livrarmos de situações embaraçosas, poupar os outros de mágoas ou simplesmente para proteger nossa privacidade, a mentira é um facilitador tão utilizado, que ganhou até classificação.

Mentiras sinceras

Mentira branca, necessária, social e por aí vai. São tantas as justificativas encontradas para esse comportamento que acabamos por acreditar que ele é normal. Afinal, costumamos dizer que todo mundo mente. "Certa dose de mentira está presente em todos nós", reforça o psicólogo paulista Cláudio Bastidas.

O desejo de ser aceito a qualquer custo é tão forte que nos leva a mentir, inventando situações para causar boa impressão e compensar sentimentos de insegurança e inferioridade. Entretanto, quanto mais saudável for uma pessoa, menos ela tenderá a mentir. Ou seja, "uma pessoa psicologicamente saudável mostrará coerência ao expressar o que pensa, o que sente, a forma como age e o que diz", esclarece Patrícia Gebrim.

A verdade é que o ser humano só mente porque precisa conviver com os outros e depende da reciprocidade deles. "A pessoa que mente muito, porém, tende a manter seus vínculos em um nível superficial, para não correr o risco de ser desmascarada, atitude que acaba por prejudicar sua vida social e afetiva e empobrecendo seus relacionamentos", conclui a psicóloga paulista.

Outro fator que pode levar as pessoas a criarem tantas fantasias é a dificuldade em lidar com conflitos. Mais do que vontade de enganar, a mentira representa, quase sempre, um mecanismo de defesa. O problema surge quando esse comportamento vira um hábito, uma atitude tão natural e espontânea que acaba por encobrir quem somos de verdade. "Dificuldades em lidar com conflitos podem levar a pessoa a viver uma fantasia que substitui a realidade", ressalta Cláudio.

Nesses casos, mentir torna-se algo tão natural e espontâneo que nos leva a criar uma espécie de mundo paralelo. E, quando nos damos conta, já caímos em nossa própria armadilha.

A voz mente e o corpo entrega

Especialistas ensinam que, assim como cruzar os braços encobre a mágoa e fechar os punhos exprime raiva, o corpo entrega o mentiroso por meio de:

Alterações no tom de voz ou discrepâncias entre a expressão facial e a voz;
Olhar risonho acompanhado de irritação na voz;
Corar;
Insegurança e inquietação no olhar;
Aumento dos contatos com o rosto (coçar a barba, morder os lábios ou puxar o lóbulo das orelhas);
Respiração mais prolongada e expiração mais curta após a mentira;
Fonte: Da impossibilidade de viver sem mentir, Irmtraud Tarr Kruger, Editora Pensamento-Cultrix

O autoengano

Bem dizia o cantor e compositor Renato Russo (1960-1996): "mentir para si mesmo é sempre a pior mentira". As calúnias que contamos a nós mesmos são as mais prejudiciais, uma vez que nos obrigam a fingir o tempo todo para manter a história em pé. Por causa delas, acabamos por representar personagens que aplacam nossa essência e nos afastam de nossa verdadeira identidade, criando um conflito permanente. Para desmascarar esse tipo de conversa, é necessário munir-se de muita coragem, mergulhar fundo na alma e deslocar a atenção da cabeça para o coração, a única parte de nós que não sabe mentir.

Socialmente falando...

Um complicador adicional para tudo o que dissemos até agora é a sociedade em que vivemos. "De nada ajuda o fato de vivermos em uma época na qual imperam a mentira e a prática de enganar", escreve Irmtraud Tarr Kruger em seu livro. "A começar pela mentira da mídia, que nos cerca dia e noite com imagens manipuladas eletronicamente, que tornam possível enganar com perfeição".

De acordo com a psicóloga americana, nosso mundo social não existe sem a simulação, a mentira e o engano. A mentira, infelizmente, se tornou um padrão universal de comportamento para atenuar os dissabores da nossa existência. Mas, atenção, segundo a autora, por constituir uma relação comunicativa com os outros, a mentira traz também decepção, mágoa e sofrimento.

Por fim...

Não existe receita pronta sobre como devemos lidar com a mentira. Avalie cada situação procurando compreender o que o leva a inventar tantas desculpas. Por trás destas, podem estar escondidas algumas respostas que você procura há muito tempo.

Irmtraud Kruger afirma que, para atingir um equilíbrio ideal, é preciso fazer perguntas do tipo: como, sobre o que, por que e por quanto tempo nós mentimos para nós mesmos e para os outros? E mais: quais as vantagens e desvantagens em mentir ou falar a verdade nesse caso? O que dou e o que recebo quando minto e quando digo a verdade? A que expectativas posso corresponder e a que preço? O melhor remédio, de qualquer forma, ainda é a boa e velha sensatez.

Fonte: Revista Natural - Por Angela Tessicini

Nenhum comentário:

Postar um comentário